sexta-feira, 10 de abril de 2009

Vicente Blanco, El Cojo

Os pés de Vicente Blanco eram dois tocos. Em 1904, quando tinha 20 anos e trabalhava na siderurgica de La Basconia, uma barra de aço incandescente entrou no sapato esquerdo e atravessou o seu pé. Os músculos fundiram-se aos ossos. Poucos meses depois, Vicente voltou ao trabalho numa fábrica e as engrenagens de uma máquina trituraram seu pé direito: seus cinco dedos foram amputados.
Vicente, El Cojo (O Coxo) decidiu correr o Tour. Depois de seus acidentes voltou a trabalhar como barqueiro e um dia recolheu na rua uma bicicleta sem pneus. Como não tinha dinheiro para comprá-los, amarrou as cordas do barco ao redor das rodas e começou a treinar. Participou das corridas de maior prestígio na época (Pamplona-Irun-Pamplona, Vuelta a Cataluña, Irun-Vitoria-Bilbao-Irun) e inclusive ganhou dois campeonatos da Espanha, em 1908 e 1909 com o uniforme da Federação Atlética Vizcaína. Mas ficou famoso pelas frequentes quedas - “seu corpo tem mais cicatrizes que todos os toureiros da Espanha”, diziam.
O cronista Ángel Viribay conta como Vicente apresentou-se na saída de uma longa corrida em Bilbao e anunciou em voz alta que sairia sem alimentos para dar vantagem aos seus rivais. Ninguém sabia que algumas horas antes seus amigos haviam ocultado potes de bacalhau em diversos pontos do trajeto. El Cojo logo escapou e pelo caminho devorou as porções de peixe e chegou em primeiro com muitos minutos de vantagem. Para fechar o circo, chegou na meta com um cachorro preso ao seu guidão.
A tática que empregou para vencer seu primeiro campeonato da Espanha é hilária: disputado em Gijón no ano de 1908, El Cojo, como de costume, viajou de bicicleta até o local da largada e ali partiu para a prova. Na metade do percurso, onde os participantes deveriam assinar uma súmula como prova de passagem, chegaram quatro ciclistas escapados: El Cojo entre eles. Saltou da bicicleta antes de todos, assinou e arrancou com rapidez sem esperar seus companheiros de fuga. Quando o corredor seguinte foi assinar, percebeu que Blanco havia quebrado a ponta do lápis. O comissário encarregado do posto não tinha nada mais com o que escrever e precisou encontrar alguma coisa para refazer a ponta do lápis: conseguiu um canivete com um espectador. Os três ciclistas assinaram e sairam juntos na caça de Blanco, furiosos. Não conseguiram e El Cojo era o Campeão Espanhol.
Vicente Blanco lançou seu nome em 1910. Na oitava edição do Tour os organizadores incluiram pela primeira vez uma etapa que percorria as montanhas mais terríveis dos Pirineus. Pela primeira vez também estava presente o carro-vassoura. Uma quarta parte dos inscritos desistiu da participação depois de treinar no percurso da prova. Mas El Cojo subiu na sua bicicleta e pedalou os 1.000Km entre Bilbao e Paris: “Por quê não? sempre fiz assim, na bicicleta, em Barcelona e Valencia. E a Paris é muito melhor, as estradas estão em melhores condições”. Um jornal de Barcelona do El Mundo Deportivo, sabedor das intenções de Blanco ofereceu uma medalha de ouro para o primeiro espanhol que figurasse na classificação final do Tour e uma de bronze para aquele que conseguisse percorrer a metade do percurso.
Ele não estava preocupado com estas honrarias. El Cojo pedalou de Bilbao e chegou a capital francesa em 2 de julho de 1910. Exausto, desorientado e faminto: e o Tour começava no dia seguinte. Conseguiu a ajuda de um mecânico espanhol que trabalhava na fábrica de bicicletas Alcyon, que lhe deu uma bicicleta nova e o acompanhou até a sede do L’Auto para apanhar seu dorsal (155). Jantou e dormiu mal, acordando exausto para na saída ver os grandes campeões: Lapize, Faber, Cruppelandt. Ele havia declarado que os grandes nomes não lhe causavam medo: “Eles pedalam como eu”. Mas parece que pedalavam um pouco mais rápido, pois começou a prova e os favoritos sairam em disparada e Blanco nunca mais os viu. Nem no dia seguinte. A aventura durou pouco.
Mesmo não figurando na classificação daquela etapa, ele assegurou que chegou a Roubaix, fora do tempo, mas chegou. Pôs a culpa do fracasso nas avarias e quedas, mas sobretudo a uma circunstância chave: “Não pude fazer nada contra aquelas feras bem alimentadas”.
A fome era uma obsessão para os ciclistas pioneiros. Naqueles Tours, as estrelas do pelotão contavam com a ajuda de seus companheiros de equipe e de seus auxiliares. Porém muitos corredores participavam como “isolés”, ilhados. “O corredor sai solo para a aventura”, dizia o regulamento. Victorino Otero, foi um desses isolés: “Nem por cem mil pesetas volto a participar do Tour. Nós não tínhamos quem nos desse comida e devíamos parar nas tendas para comprar alimentos. Às vezes, pouco antes dos controles, os primeiros passavam e ‘arrecadavam’ tudo”.

Assim, quando Vicente Blanco regressou do Tour, os diretores da Federación Atlética Vizcaína e do Club Deportivo de Bilbao sabiam qual era a melhor homenagem para seu herói ciclista: um banquete. Extraído do site: http://magliarosa.wordpress.com/category/curiosidades/

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